Pesos e contrapesos
Conduta irresponsável e antipatriótica não se pode tornar costumeira em nossa vida pública
*Rômulo Bini Pereira, O Estado de S.Paulo
06 Dezembro 2017 - 03h10
Conduta irresponsável e antipatriótica não se pode tornar costumeira em nossa vida pública
*Rômulo Bini Pereira, O Estado de S.Paulo
06 Dezembro 2017 - 03h10
O comandante do
Exército, general Villas Bôas, em recente mensagem aos seus subordinados da
reserva expôs com muita propriedade o papel da Força terrestre no atual cenário
político. Chefe e líder inconteste, assegura, em suas palavras, que não somos a
tutela da Nação e nossas instituições são capazes de conduzir os problemas da crise
ética e moral por que passamos. Enfatiza ainda que o Exército continua mantendo
suas posições quanto à legalidade, à legitimidade e à estabilidade em suas
ações, atitude também adotada por suas coirmãs, a Marinha e a Força Aérea. É
essa postura que lhes dá reconhecida credibilidade perante o povo brasileiro.
O teor da mensagem,
já anteriormente constante em entrevistas e reportagens de nosso comandante,
indica que um possível motivo de sua exposição seja o crescimento, em nossa
sociedade, de adeptos da adoção de uma intervenção militar no poder constituído
para a solução dos atuais problemas brasileiros. O militar da reserva, bem mais
próximo do público civil, sente com maior intensidade esse crescente pedido de
intervenção.
De modo
surpreendente, é na faixa de idade mais jovem que mais cresce essa posição.
Frustrados e decepcionados com as nossas lideranças, os jovens não veem uma
solução concreta e plausível em curto prazo. As soluções admissíveis que
poderiam eliminar essa proposta antidemocrática são raras, o que tem propiciado
o surgimento de graves e constantes crises nestes últimos 30 anos, fruto de
governos incompetentes e corruptos.
Nosso comandante
aproveita o ensejo para reafirmar que nossas principais instituições e nosso
sistema de pesos e contrapesos no processo político estão consolidados. É
oportuno salientar que este último é a base fundamental que sustenta o regime
democrático. É ele que equilibra os debates, as decisões e as vertentes
ideológicas que surgem e poderão apontar à sociedade o melhor caminho a seguir.
Ao citar a expressão pesos e contrapesos, é bem provável que o general Villas
Bôas esteja enviando um precavido e sutil alerta à Nação, em particular aos
integrantes do Judiciário. Isso porque tal citação faz surgir de forma subliminar
a figura da balança de dois pratos, consagrada mundialmente como o mais
significativo símbolo da justiça.
Infelizmente, para
grande parte da sociedade brasileira, não chegamos a um nível democrático que
nos dê esse equilíbrio. Para muitos, incluídos os intervencionistas, o sistema
inexiste e o processo político está voltado, exclusivamente, para interesses
individuais ou de grupos partidários. Questionamentos são sempre feitos nas
possíveis soluções das crises que surgem. Para quê? Para quem? Para onde? O
interesse do País raramente está presente nas respostas, ficando quase sempre
em segundo plano.
Recentes fatos
políticos e judiciais validam esses questionamentos. A decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) optando pela prévia aprovação das Casas legislativas
para a adoção de medidas cautelares impostas a parlamentares é um exemplo. O
corporativismo prevalecerá e políticos acusados de crimes estarão imunes e
receberão a chancela de inocentes. Outro exemplo foi o incompreensível pedido
de vista de um ministro do STF após sete votos favoráveis a pôr fim à imunidade
parlamentar, um enorme anseio da sociedade. O pedido não visa um conhecimento
maior da causa, mas sim um prazo ampliado que possibilite o Congresso concluir
a votação de emenda constitucional do mesmo tema. Se considerarmos que duas
centenas de congressistas são processados no STF, a queda da imunidade
provavelmente não passará – e nem todos os brasileiros serão iguais perante a
lei. Será uma contraposição entre o Judiciário e o Legislativo, advindo
certamente outra crise entre eles.
E como se não
bastasse, há outro exemplo lamentável. Em sua posse, na presença do presidente
da República, o novo diretor da Polícia Federal declarou que uma única mala
talvez não desse toda a materialidade criminosa. Referia-se a uma das
componentes da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra o presidente,
justamente quando assumia o cargo que lhe foi dado pelo denunciado. Com certeza
uma declaração adrede preparada e comprometida.
Tais exemplos
demonstram que no mais alto nível da República o sistema de pesos e contrapesos
não funciona como deveria e prima pelo desequilíbrio, sendo, por isso mesmo,
comprometido e não confiável, justamente por predominarem os conchavos, os
interesses individuais e de grupos, a troca de vantagens e de benesses à sombra
de um Congresso subornável e de uma Justiça “partidária”. As medidas
cautelares, o pedido de vista do ministro e a atitude comprometida, tríade
degradante para muitos brasileiros, reforçam o descrédito dos nossos três
Poderes perante a sociedade.
Segundo publicações
veiculadas pelas redes sociais, um trecho de declaração atribuída ao general
Figueiredo, último presidente militar, dirigida ao mundo político, chocou a
sociedade: “... jogarão a Nação num lamaçal de dimensões continentais, onde o
povo afundará na corrupção, na roubalheira, na matança até que se instaure o
caos social, seguido de uma guerra civil”. Mesmo que não seja verídica, muitos
adeptos da intervenção militar já consideram profética tal declaração.
O Brasil precisa
encontrar soluções para os enormes impasses que vivemos, para que nenhuma
ilegalidade esteja acima do interesse do povo brasileiro. As forças vivas da
Nação, movidas pelos homens de bem, incluindo as Forças Armadas, não podem
permitir que condutas irresponsáveis e antipatrióticas se tornem costumeiras em
nossa vida pública, por atingirem frontalmente os princípios éticos e morais
que conduzem um regime democrático e que resultarão num arremedo de democracia.
*General de exército (R/1), foi chefe do
Estado-Maior da Defesa