O Brasil está livre dos seus percalços. Graças ao Professor de Deus. Nº 2 (SQN)

Abaixo a publicação de textos de 4 RENOMADOS ESPECIALISTAS em Direito Constitucional.
Não se trata, portanto, de jornalistas candidatos a PROFESSORES DOS DEUSES PARA ASSUNTOS JURÍDICOS E NEM TANTO.
São Eles:
  1. RODRIGO DE ABREU SODRÉ SAMPAIO GOUVEIA
    Especialista em direito penal econômico pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas; 
  2. CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA Mestre em direito das relações sociais pela PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é promotor de Justiça em São Paulo 
  3. JOAQUIM FALCÃOProfessor da FGV Direito Rio 
  4. CARLOS AYRES BRITO
    EX-PRESIDENTE DO STF
Como se vê 4 ESPECIALISTAS. ESTUDARAM PARA ISSO, não para a prática de jornalismo.
PS: Este post ficará longo, mas se trata de documentar para argumentar.


Anistiar crimes passados relacionados ao caixa dois fere a Constituição? NÃO
RODRIGO DE ABREU SODRÉ SAMPAIO GOUVEIA

A alteração, na calada da noite, do pacote de medidas contra a corrupção apresentado pelo Ministério Público, concebido no fervor da paixão entre o clamor público das ruas e o Congresso Nacional, traz à memória a história do Cavalo de Troia, relatado no clássico "Odisseia", de Homero.
Isso porque a comissão da Câmara dos Deputados, ao aprovar o texto que poderá criminalizar o caixa dois, escondia uma emenda no projeto de lei, a qual parece objetivar extinguir de punição penal crimes que podem estar camuflados em fontes de recursos financeiros não contabilizados e não declarados aos órgãos de fiscalização.
Em tese, caracterizam o crime eleitoral e de lavagem de dinheiro, peculato, corrupção passiva e ativa e evasão de divisas, todos praticados com o fim de fomentar partidos políticos e a corrida eleitoral.
A emenda legislativa que comento é o famoso presente de grego, que poderá impedir o processamento e a condenação de criminosos.
No texto original do projeto apresentado pelo Ministério Público Federal, o sujeito ativo da tipificação penal será o candidato que receber recursos não declarados nos 45 dias anteriores ao primeiro turno, o chamado período eleitoral. Já na comentada emenda, passa a ser qualquer um que já se beneficiou de forma ilícita e antecedente à modalidade de caixa dois.
De todo modo, apesar de surgir um inegável descompasso de vontade entre a opinião pública e os representantes do povo eleitos para exercerem o seu poder, especialmente em vista da alteração inicial do projeto de lei poder ser um tiro certeiro na Lava Jato, o Congresso Nacional, aprovando a emenda legislativa, fará surgir a tal da alardeada "anistia".
Como diz o jargão jurídico, a lei nem sempre é justa, mas é a lei.
Explicando melhor. Na academia de ciências jurídicas e sociais, aprende-se a história de Ulisses e as sereias (também narrada na "Odisseia"), cuja lição busca fazer compreender que a nossa Carta Magna traz proteção especial destinada a combater momentos difíceis e de sedução social e política.
Por isso, torna certas cláusulas constitucionalmente pétreas, como vige o inciso XL, do artigo 5º, que diz que a lei penal retroage apenas para beneficiar o réu. Diz o mesmo o artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal Brasileiro.
Logo, no caso de serem anistiados os crimes exemplificados acima, constitucionalmente e legalmente, o exercício do direito de defesa -por exemplo, de quem será ou está sendo processado ou já foi condenado na Lava Jato e na Justiça Eleitoral- fará extinguir a punibilidade de empresários e políticos, colocando alguns já em liberdade.
O processo penal é um instrumento de direito e de garantia da liberdade jurídica, ainda que a nova lei venha ser interpretada como algo divorciado da idoneidade representativa política, por estar a contrariar a vontade popular.
O anseio do povo de combater a corrupção está à mercê dos freios e contrapesos da Carta Mãe e da Codificação Penal e Processual Penal. Portanto, se o Congresso Nacional aprovar a redação da emenda surpresa, poderá anistiar crimes praticados em relação de simbiose com o famigerado caixa dois.
Tudo com amparo constitucional, para transformar suspeitos, réus e culpados em inocentes, com base nos direitos e nas garantias fundamentais que cada cidadão desfruta no Estado democrático de Direito.
Trata-se, no fim das contas, da proteção do indivíduo frente ao poder limitado do Estado. A única alternativa que resta para o projeto da emenda não seguir adiante é a pressão popular junto aos congressistas.
RODRIGO DE ABREU SODRÉ SAMPAIO GOUVEIA é advogado criminalista da Sampaio Gouveia Advogados Associados. É especialista em direito penal econômico pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas

Anistiar crimes passados relacionados ao caixa dois fere a Constituição? SIM
CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA

DIREITO E ÉTICA DEVEM ANDAR JUNTOS
Causou perplexidade e indignação à sociedade a notícia de que os congressistas pretendem anistiar seus próprios crimes.
A anistia é uma forma de indulgência soberana e pressupõe lei do Congresso Nacional (art. 48, VIII, da Constituição Federal). Apaga o fato delituoso, mas o tipo penal permanece íntegro.
Ela faz desaparecer os efeitos penais da condenação, voltando o favorecido à condição de primário. Todavia, subsistem os efeitos civis, como o dever de reparar o dano e a perda de bens obtidos com a prática criminosa. É causa que extingue a punição, conforme previsto no artigo 107, inciso II, do Código Penal.
O direito, a ética e a moral andam de mãos dadas. Uma lei, mesmo que observe o devido processo legislativo, pode ser considerada imoral e, nesse caso, será declarada materialmente inconstitucional. Isso pode ocorrer quando a lei não visar o bem comum, mas apenas o de alguns.
A imprensa tem noticiado que está sendo cogitada a aprovação de anistia que alcançará inúmeros congressistas que cometeram o crime denominado de caixa dois, que atinge os pilares da democracia.
Ou seja, está sendo elaborada lei, a ser votada e aprovada pelos próprios autores do delito, pela qual eles estarão, no final das contas, se autoperdoando.
O caixa dois implica abuso do poder econômico e viola a isonomia no processo eleitoral. Enquanto os candidatos honestos contabilizam e declaram à Justiça Eleitoral doações recebidas, os desonestos se valem de doações ilegais -estes, portanto, terão chance muito maior de serem eleitos, pois os valores não declarados empregados nas campanhas são estratosféricos.
A Operação Lava Jato já denunciou e até mesmo condenou por crimes como corrupção e lavagem de dinheiro muitos empresários e políticos.
Na elaboração da legislação devem ser observados princípios, normas dotadas de alto grau de generalidade que servem de base para a formação do ordenamento jurídico. Os princípios devem ser empregados para orientar a interpretação das leis de teor obscuro ou para suprir-lhe o silêncio.
A lei não pode ser elaborada ao bel prazer do legislador. Ele deve atentar para os diversos princípios constitucionais expressos e implícitos, bem como para os princípios gerais de direito, que podem ser considerados como a consciência ética de um povo.
Com efeito, na elaboração da legislação não podem os parlamentares violarem os princípios da moralidade e da impessoalidade, bases do processo legislativo.
Também deve ser observado o disposto no artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que deixa muito claro que a lei deve atender aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
Esses objetivos não serão alcançados com a aprovação de um perdão para congressistas que cometeram o crime comumente designado como caixa dois, que na realidade é uma forma de falsidade ideológica prevista no artigo 350 do Código Eleitoral.
Portanto, é de manifesta inconstitucionalidade eventual anistia a delitos cometidos por congressistas. A lei, que deve ser genérica e impessoal, não pode beneficiar os próprios políticos que a aprovaram, ferindo de morte os princípios da moralidade e da impessoalidade que devem nortear a elaboração da legislação.
CÉSAR DARIO MARIANO DA SILVA, mestre em direito das relações sociais pela PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, é promotor de Justiça em São Paulo

O Congresso quer enquadrar o Judiciário
Brigar ao mesmo tempo com o Judiciário e com os eleitores é estratégia de risco máximo
Joaquim Falcão
 
Muitos deputados e senadores querem apagar o passado e descriminalizar o caixa dois. Têm duas táticas principais. A primeira é óbvia. Querem dar ordem direta ao Judiciário. Para usar a expressão da moda, querem enquadrá-lo como se dissessem aos juízes: “De agora em diante, esqueçam quem pagou e como pagou minha campanha. Tratem de outros assuntos”.
Mudar as regras faz parte das tarefas constitucionais do Congresso. Mudar as regras para resolver casos concretos e já conhecidos, não. É querer influenciar a decisão judicial. É velada obstrução da Justiça. A lei não serve para tanto. Coloca em questão a independência dos Poderes.
A segunda é que querem mandar às escuras. Ou seja: nem votação aberta, nem votação nominal. Os eleitores não saberão quem está votando e o quê. Deputados sem rosto tentam aprovar texto que permita uma interpretação extensiva do que seria o caixa dois. Querem mudar o passado. Alcançar e desfazer atos já praticados de lavagem de dinheiro, corrupção e evasão de divisas.
Coloca-se em questão a representatividade da democracia. Amplia-se o vácuo entre governo e Congresso fragilizados e eleitores. Brigar ao mesmo tempo com o Judiciário e com os eleitores é estratégia de risco máximo. Ninguém quer ser governado por quem quer dar ordens no escuro.
Muitos congressistas já perceberam o risco e se posicionam contra a manobra. O pressuposto dos que querem descriminalizar o caixa dois é que o Judiciário e as ruas não poderão reagir. Afirmam que o Congresso é soberano. Mas mesmo quando não representam e se escondem do eleitor?
Aqui reside o risco da crise institucional. Mesmo que a manobra tenha êxito, Judiciário e Ministério Público ainda terão espaço suficiente para apontar fatos, e fatos, e fatos, e fatos para a opinião pública, a mídia, nacional e internacional, capazes de desestabilizar qualquer base eleitoral.
Sangrar, sem sangue, o Congresso. Que um Congresso representativo prevaleça.

Joaquim Falcão - Professor da FGV Direito Rio

O caixa 2 e o diabo a quatro
A lei que dá um passo à frente já não pode botar um pé atrás. Está proibida de retrocesso
Carlos Ayres Britto
EX-PRESIDENTE DO STF
Tenho por inconstitucional essa rumorosa emenda parlamentar que visa a impedir punição para quem praticou o chamado caixa 2. Caixa 2, lógico, em linguagem coloquial ou popular. A se traduzir no recebimento de doação de “bens, valores ou serviços” não declarados à Justiça Eleitoral nem contabilizados pelas respectivas agremiações partidárias. Não “declarada” nem “contabilizada” tal “doação” e até mesmo “omitida ou “ocultada” (palavras da emenda em foco), mesmo tendo por finalidade “financiamento de atividade político-partidária ou eleitoral”. Com uma primeira e inusitada peculiaridade: ela, a emenda parlamentar, não se limita a transitar pelos domínios do Direito Eleitoral. Bem mais ambiciosa, estende o seu comando de não punição às esferas penal e civil da ordem jurídica brasileira. Com o que veicula um tipo de anistia praticamente geral e irrestrita que expõe os seus flancos a muitos questionamentos no plano da validade.
Com efeito, o primeiro questionamento em torno dessa mal disfarçada anistia decorre da consideração de que ela, emenda, propõe a despunibilização de um tipo omissivo de conduta que a cabeça do artigo 350 do Código Eleitoral expressamente veda: omitir, em documento público ou então particular, declaração que deles devia constar (a exemplo da aceitação de doações para o financiamento de campanha eleitoral). Conduta tipificada pelo parágrafo único desse mesmo artigo 350 como “falsidade documental” ou ideológica. Sancionada, além do mais, com “reclusão até 5 anos e pagamento de (...) multa (...)”. Logo, é de anistia mesmo que se trata, até porque ainda recai sobre as agremiações partidárias o dever de “prestação de contas à Justiça Eleitoral” (inciso III do artigo 17).
Ora, nesta última hipótese de um dever imposto aos partidos políticos, óbvio que a Constituição está a se referir a uma completa prestação de contas. Cheia. Íntegra ou incorporante de todas as doações que a eles sejam feitas. Sem a menor possibilidade de omissão contábil ou de falta de registro daqueles “bens, valores ou serviços”. Matéria interditada, por definição, a qualquer tipo de condescendência ou relativização por lei. Como também resulta claro que o artigo 350 do Código Eleitoral faz um tipo de exigência perfeitamente rimada com o jogo da verdade que a Constituição impõe a todo candidato a cargo público em eleição popular. O jogo da verdade democrática, a fazer de cada pleito eleitoral um heterodoxo concurso público. Uma disputa ou um certame de investidura eletiva que só pode pressupor, como todo concurso público, igualdade entre os concorrentes e total eliminação de fraude. Tudo a legitimar a conclusão técnica de que, nesse entrecruzar de depuração ético-representativa do regime democrático brasileiro, a lei que dá um passo à frente já não pode botar um pé atrás. Está proibida de incorrer em qualquer forma de retrocesso. Quanto mais se vem a descambar para um tipo de anistia que nivela por baixo quem honrou e quem deixou de honrar os seus jurídicos deveres.
Há mais o que dizer em desfavor da mal inspirada emenda. Muito mais, pois o que ela termina por fazer é anistiar o inanistiável. Explico. Primeiro, ela faz um estranho (pra não dizer temerário) corte radical entre doação e sua matriz subjetiva. Ou entre doador e donatário, se se prefere dizer, para assim poder despunibilizar os dois. Mesmo que o doador esteja a abrir a mão para o donatário depois de enchê-la com o produto de crime (peculato, corrupção, conluio em licitações, superfaturamento de obras e serviços públicos, tráfico de drogas, administração fraudulenta de instituição financeira, etc.). Com o que assume o risco de perdoar, de uma só cajadada, o crime atual e o antecedente. Explosiva mistura de malfeitorias de vários ramos ou disciplinas jurídicas que pode ter por efeito o ampliado favorecimento do número dos malfeitores.
Depois disso, uma nova e indevida mescla. É que a anistia é instituto jurídico de exceção. Não pode ser usual, pois se traduz no perdão legal de quem infringiu essa ou aquela regra igualmente legal (se a moda pega...). Razão pela qual a lei que a institui só pode ser específica. Específica ou monotemática. Lei de um só conteúdo ou “que regule exclusivamente” uma dada matéria, como, didática ou expletivamente, diz a Constituição pelo parágrafo 6.º do seu artigo 150. Logo, lei de máxima concentração material dos seus elaboradores e da mais centrada atenção da cidadania. Nada obstante, o que se deu com a malsinada emenda parlamentar de que estou a comentar? Forçou a mais não poder sua inserção num projeto de lei que nada tem que ver com postura condescendente do Estado para com o tema centralmente constitucional e complementarmente legal da prestação de contas à Justiça Eleitoral.
Bem, de mais alguns pontos de fragilidade constitucional ainda padece a emenda em xeque (a figuração do “diabo a quatro” passa por aí). Por limitação de espaço neste artigo, porém, aponto apenas dois.
O primeiro, residente na falta da percepção de que só é anistiável o ilícito cujo regime normativo for centralmente legal. Não aquele envolto em registro diretamente constitucional da gravidade de determinadas condutas.
O segundo está em que o seu dilatadíssimo âmbito pessoal de incidência não tem como deixar de favorecer membros do poder. Do Poder Legislativo federal, designadamente. E o certo é que membro do poder é a face visível do Estado. A humana personalização dele. O Estado encarnado e insculpido. O Estado em ação. Por isso que insuscetível de anistiar a si mesmo. De bancar minimamente que seja um projeto de autoanistia, pena de estilhaçar a própria e mais elementar noção de Estado de Direito: aquele Estado que respeita o Direito por ele mesmo criado. Tanto quanto, e principalmente, o Direito paraele criado pela Constituição originária.
 
 



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